O Grupo de Pesquisa/CNPq Observare realizará o seu primeiro seminário no dia 21 de setembro de 2016, das 19 às 22h, no Auditório da Didática V, Campus São Cristóvão da Universidade Federal de Sergipe/UFS. O tema é “Política, Religião e Sexualidade no Ambiente Escolar” e contará com a presença de especialistas no assunto, como o professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, Rodorval Ramalho (“Projeto Escola Sem Partido”), a gestora da Secretaria Estadual de Educação, Gabriela Zelice (“Ensino Religioso no Contesto da SEED”) e o professor Manuel Alves do Prado Netto (“Sexualidade na Escola”), além da exposição de paineis informativos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As inscrições podem ser feitas pelo endereço http://www.sigaa.ufs.br.

- Realização: Observatório Multidisciplinar de Religiões e Religiosidades (Observare)
- Apoio: Universidade Federal de Sergipe/UFS, Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião/PPGCIR, Núcleo de Graduação em Ciências da Religião/NCR, Unidade Estadual de Sergipe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE/UE/SE/GAB.
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A escola tem que ter partido
O partido do direito de todos à cidadania
Manuel Alves do Prado Neto*
A ascensão de líderes ultraconservadores ao protagonismo da cena politica brasileira, no contexto da disseminação de teses conservadores por todo o Ocidente, torna esse período de crise do sistema capitalista, iniciado em 2008, em alguns aspectos, semelhante aos anos que antecederam a emergência dos Estados Totalitários nazi-fascista. Naquela ocasião, uma população frustrada, empobrecida, desempregada, amedrontada constituiu-se no terreno fértil, no qual as liberdades democráticas, as lutas dos trabalhadores por direitos foram responsabilizadas pela crise econômica, cujo ápice se viveu com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929. Se naquela época a Europa experimentava ainda as consequências materiais e humanitárias da 1ª Guerra Mundial, hoje numa escala menor, mas não tão insignificante, é o terrorismo que tempera essa mistura bombástica que vem legitimando um discurso e uma moral conservadora como respostas apropriadas aos desafios do Ocidente.
No intuito de construir a hegemonia de suas verdades, o fascismo lançou mão de duas estratégias fundamentais: a censura a tudo que contrariasse suas teses e o combate a inimigos inventados pelo próprio regime como tática de mobilização e de produção do consenso em torno das teses totalitárias. Quem são os inimigos do american way of life no discurso do candidato a presidente dos EUA, Donald Trump? Quem são os inimigos do projeto de cidadania inglesa representado por aqueles que votaram pela saída da Inglaterra da comunidade europeia? E no Brasil, quem são os inimigos do projeto reeditado “Estado, família e sociedade”, cujo maior represente é o deputado federal Jair Bolsonaro?
É nessa lógica que surge e ganha alguma legitimidade o Projeto de Lei “Escola sem partido”. O mesmo, objetiva uma educação neutra, na qual o professor fica proibido de se apresentar como sujeito do saber e as concepções de mundo construídas pelos estudantes não podem ser problematizadas no âmbito da escola. Portanto, os professores e a atual escola básica constituem-se em inimigos potencias. Segundo aqueles que idealizaram o “Escola sem Partido”, os docentes estariam doutrinando as crianças e adolescentes nas teses “socialistas”, no que denominam de esquerdismo ou bolivarianismo; disseminando os tais “direitos humanos”, conjunto de teses que protegem os marginais; e ainda influenciando crianças e adolescentes na construção de suas identidades de gênero e sexual.
Na paranoia fascista ao modo dos temos de Mussolini, necessária à produção do medo generalizado, uma ideologia esquerdista teria invadido toda a América Latina e se prepara para dominar o Brasil. Os indícios estariam nas políticas desenvolvidas pelos governos petistas e na suposta proliferação de versões anticapitalismo e antiliberalismo disseminada pelos livros didáticos, nos quais se destacam versões “positivas” de lideres e fatos históricos ligados aos movimentos socialistas/comunistas e ao contrário, versões “negativas” ou omissões aos lideres e fatos constituintes dos movimentos liberais, com destaque ainda para textos que depreciariam o capitalismo, na medida em que o apontam como gerador de desigualdade e de riscos ao meio ambiente.
A escola básica brasileira arrasta-se numa crise que já ultrapassa duas décadas. Não consegue ensinar as competências da leitura e da escrita e muito menos a competência de articular e relacionar saberes diversos em níveis sequer de média complexidade. Os professores, na maioria, tem formação inicial discutível e dominam precariamente procedimentos metodológicos e didáticos, o que se constitui num dos obstáculos à aprendizagem. Também de um modo geral, são conservadores quanto a temas como sexualidade, religiosidade e mesmo em política. Falta gestão pedagógica nas escolas e nas redes. Num quadro como esse, como se explica que essa instituição, e nela o professor, possam ser acusados de doutrinação? Doutrinar exige método, rotina, objetivos claros. Falta tudo isso à escola.
Aqui encontramos mais um indício da natureza fascista do “Escola sem Partido”. No afã de assegurar a totalidade, esse projeto não fala para a escola e o professor que supostamente defende uma tese político-partidária. Dirigir-se a ele, é só um disfarce. Esse projeto pretende compor com outras iniciativas e “discursos” uma frente de desmoralização, de desautorização, de “desempoderamento” da escola e do professor que cumprir o seu papel constitucional. Ou seja, daquele que promover e incentivar o debate de ideias, que nortear sua atuação profissional sob bases filosóficas e cientificas, numa perspectiva que coloca tudo e qualquer coisa na condição de fenômeno que pode ser respeitosamente problematizado. É esse professor e essa escola que ameaça essa moral ultraconservadora que se assanha no Brasil. Sucumbir aos seus dogmas exige a incapacidade de dialogar, de debater, de pensar. Portanto, a ideia é deslocar a atenção do real desafio da escola básica brasileira. Não se pretende que ela venha a cumprir o seu papel legal, sua função político social.
As práticas educacionais formais, no Brasil, encontram-se fundamentadas e asseguradas num corpo legal dos mais complexos e sofisticados do mundo. O que compete ao professor; o que ele pode e deve fazer na sala de aula já está cristalinamente definido. E o que compete ao professor? Formular um programa de ensino, com base nas diretrizes curriculares nacionais e executá-lo conforme os princípios constitucionais, que se repetem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A educação básica brasileira objetiva fundamentalmente, ao seu término, tornar o estudante apto para o exercício da cidadania; para inserção no mundo do trabalho; e para a continuidade dos estudos, ou seja, para ingresso no ensino superior.
Como a santíssima trindade, esses três macro-objetivos são ao mesmo tempo um. Porque exercitar a cidadania é em última análise, ter direito, caso deseje, à formação de nível superior, e ter direito a participar do sistema de produção social da riqueza. Para que os professores cumpram coletivamente essa tarefa, compete aos sistemas de ensino, e isso também já está devidamente assegurado na Lei, desenvolver procedimentos administrativos de monitoramento e avaliação do trabalho docente, de modo que ao estudante seja oportunizado o acesso a um saber mínimo, historicamente e socialmente produzido, predefinido nas diretrizes curriculares. Esse saber mínimo, nacionalmente estabelecido, deve ser complementado com questões regionais e locais, e obviamente, com temas demandados pelos educandos.
O trabalho docente não é e não deve ser neutro. Deve está moralmente comprometido com os fundamentos e princípios da constituição brasileira, e com aqueles estabelecidos nas diretrizes educacionais. “A defesa da dignidade da pessoa humana; do pluralismo político; e do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, credo, idade e quaisquer outros”, devem nortear o trabalho cotidiano dos(as) professores(as) brasileiros(as), mesmo que, para tanto, tenha ele(a) que problematizar os costumes, valores e crenças dos estudantes e das comunidades nas quais estejam inseridos sempre que tais costumes, valores e crenças constituam-se em obstáculos à consecução dos fundamentos e princípios aqui mencionados. Essa tarefa, no entanto, não deve jamais constranger, discriminar ou humilhar o estudante. Com o respeito necessário, e com os procedimentos didático-metodológicos adequados a cada ano/série, o homem e tudo que lhe constitui, pode e deve ser objeto de problematização no âmbito da sala de aula.
As aspirações individuais, as crenças políticas e religiosas do estudante e de sua família, a mencionada educação moral de arbítrio exclusivo da família, como proposto pelo projeto de lei “Escola sem Partido”, se fundamentarem comportamentos, posturas, atitudes, discursos que venham a ferir os princípios constitucionais e aqueles estabelecidos nas diretrizes curriculares no Brasil, devem sim ser problematizados e, com o devido modo, questionados. As liberdades individuais ou de grupos dentro de uma República democrática estão limitadas pelos interesses do conjunto da nação. E é esse papel que deve cumprir o projeto escolar. Educar para que encontremos sentido naquilo que nos une e compreensão e respeito no âmbito das nossas diferenças. É contra isso que o pensamento fascista se impõe. Por traz da suposta neutralidade que prega, pretende ele a imposição de dada moral, de um modelo de homem e de mulher, de um modo especifica de estar no mundo, de uma ideologia política. Os ideólogos do “Escola sem partido” sabem que há uma tendência conservadora na cultura social desses dias. Com projetos como esses pretendem que assim permaneça e que se absolutize. E por isso é profundamente fascista. E por isso a escola precisa assumir o seu partido.
Professor de História da Rede Estadual*
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